Monday 5 February 2007

7 x Prós e Contras

1. Indecisos. Importa convencer indecisos e não alienar actuais apoiantes do Sim. Os indecisos não são suficientemente sensíveis ao argumento do "flagelo do aborto clandestino" (senão já se tinham convencido), pelo que a tónica não deve ser posta aí. O indeciso típico português está confuso entre o Sim e o Não porque "acha o aborto uma coisa má" e quer ficar de consciência tranquila com o seu voto.

2. Lei e Moral. É verdade que o que está primordialmente em causa é uma alteração legislativa, mas não é legítimo achar que é apenas isso que está em causa e, mais do que isso, é contraproducente fazê-lo. Fazer uma defesa demasiado absoluta de que o que está em causa é apenas a lei e não (também) a moral não convence o tipo principal de indeciso, que, digamos, "quer ir para o Céu" e fazer a escolha que algumas supostas vozes do Céu o aconselham a fazer.

3. Absoluto vs Gradação. Inevitavelmente, vai-se discutir o estatuto de feto, o que é vida humana, pessoa humana, etc. Os apoiantes do Sim têm de estar preparados para discutir isto de forma inteligente, não se refugiando na tirada "mas o que está em causa é uma alteração legislativa". É verdade, mas não é só isso que está em causa. E os indecisos, repito, num país com 80% ou 90% de pessoas que se dizem católicas e onde a ignorância grassa, são totalmente impermeáveis à ideia erudita da separação entre lei e moral. É preciso chegar a eles, é preciso ser repetitivo.

Neste ponto, importa perguntar aos apoiantes do Não se consideram que logo após a fecundação estamos perante algo que tem um estatuto equivalente ao de pessoa humana ou se existe uma gradualidade na obtenção desse estatuto. Se a resposta for que o zigoto é uma pessoa humana, é preciso dizer aos telespectadores (esqueçam os opositores no estúdio) que essas pessoas não só são contra a pílula do dia seguinte, como acham um "assassínio" usar a pílula do dia seguinte. Mais, tem alguém de dizer, olhos nos olhos, para as telespectadoras, que quem tenha tal visão absoluta será contra o aborto por violação, outro "assassínio", que devia ser punido e actualmente não é.

Se, ao invés disto, os do Não aceitarem que há uma certa gradualidade na obtenção do estatuto de pessoa humana, então, com toda a calma, deve ser frisado que, estando no outro prato da balança também um valor, é possível que, nalgum período, seja aceitável que este outro valor prevaleça. Depois, não será difícil explicar o porquê das 10 semanas. Deve ser enfatizado que o limite de 10 semanas é o mais curto em toda a Europa e que a proposta do Sim é tudo menos radical. Ver isto, isto e isto.

A ideia aqui é, em suma, a de explorar todas as implicações de considerar o "direito a nascer" como um absoluto e, em vez de desatar a rir ou a atirar-se para a cadeira em sinal de desistência, virar-se para os telespectadores e perguntar, preto no branco, e com calma, se essa implicações lhes parecem sensatas e aceitáveis. E adiantar, depois (os indecisos precisam de argumentos claramente explicados), que se não há absoluto, talvez estejamos a falar de uma excepção inteiramente razoável, dado o prazo em causa. O aborto continuará a ser crime em 75% do período de gravidez, se o Sim ganhar. Sim, o que está em causa é um Sim moderado.

4. Despenalização vs Liberalização. Está em causa despenalizar e regulamentar o aborto até às 10 semanas, não liberalizá-lo até às 10 semanas, nem muito menos liberalizá-lo "totalmente". Ver isto.

5. O amor cristão. Quem fale pelo Sim e seja cristão não deve ter medo de falar em amor, fraternidade, compreensão. Deve fazê-lo. Deve pôr a questão nos termos exactos em que Anselmo Borges e Frei Bento Domingues o fizeram, idealmente citando-os abundantemente, quer dizer, citando não apenas os nomes, mas lendo passagens dos textos magníficos por eles publicados, verdadeiros repositórios do amor cristão. Esta mensagem é importante porque os indecisos são cristãos e porque, esperançosamente, alguns deles serão sensíveis a este argumento - do equilíbrio, da moderação, da fraternidade com o próximo, ou, neste caso, com a próxima (mas sem recorrer ao argumento do "vão de escada", que os indecisos tendem a achar que as mulheres que engravidaram são umas irresponsáveis; melhor ficar pelo apoio cristão e pela compreensão). Ler isto e isto.

6. Um Não é um não. É preciso expôr a demagogia absoluta do mais recente argumento do Não, de que mesmo que exista uma vitória, expressa nas urnas, do Não, eles tomarão medidas parlamentares para despenalizar o aborto. É preciso dizer que isto representa não só um total desrespeito pela decisão democrática dos portugueses, como uma absoluta contradição interna, de quem sempre se bateu para que o assunto fosse decidido em referendo. Este ponto é muito importante, mais uma vez porque o indeciso médio "acreditará" nas boas intenções do prof. Marcelo e da sra. Sousa Franco. Não há legitimidade democrática para dizer tal coisa, que mais parece própria do regime de Fidel Castro.

Deve ainda ser acrescentado que o facto de José Sócrates ter dito que, se o Não avançar, nada poderá ser feito, não é uma "declaração estratégica", supostamente "não credível", mas uma declaração credível, na exacta medida em que é coerente com ele próprio (que sempre disse aceitar que a situação tivesse de ser referendado, uma vez que houve o primeiro referendo), mas sobretudo porque respeita a democracia e o voto dos portugueses. Mas como é que eles se atrevem a usar este argumento? É verdadeiramente inacreditável. Ler isto e isto.

7. Estado de Direito. Um estado de direito que se dê ao respeito não pode manter uma lei que ninguém cumpre. Não vale a pena invocar a ideia de que os defensores do Não quererão alterar a lei, promovendo a despenalização, porque, como refiro no ponto anterior, não têm legitimidade para o fazer se o Não ganhar. Sobre a questão do estado de direito e das leis, leia-se - e cite-se - o que escreveu o ex-bastonário da OdA José Miguel Júdice.

Notas finais: não esquecer de tomar calmantes, não responder às diabruras do Não, falar sempre para os indecisos que estão em casa e que acham o aborto uma "coisa má" (óbvio, todos achamos) e que não querem "ir para o Inferno por votar Sim no referendo". Só isso é que interessa hoje à noite.

Good luck.

6 comments:

Miguel Madeira said...

«Os indecisos não são suficientemente sensíveis ao argumento do "flagelo do aborto clandestino"»

Pois, pela minha experiencia do referendo anterior, o unico argumento a que os indecisos são sensiveis é esse. Os indecisos com que eu falava estavam todos naquela "por um lado, eu acho que o aborto é matar uma criança, mas por outro, sendo ilegal, fazem-no à mesma e sem condições nenhums"

Mas também não sei se os indecisos de Lisboa e Portimão (os que com eu falava) serão representativos do "indeciso tipico".

Anonymous said...

Julgo que a exploração das consequências da dicotomia Absoluto/Gradação é um dos melhores pontos a favor do 'Sim'.

Infelizmente, muito dificilmente será argumento de peso na campanha. Principalmente (mas não só) porque exige um nível de abstracção que não liga bem com debates inflamados e fotos de fetos ensanguentados.

P.S.- Só mais uma coisa. A pílula do dia seguinte não é abortiva. Penso que a comunidade científica define o começo de uma gravidez a partir do momento que se dá a implantação do ovo nas paredes do útero - e a partir desse momento a pílula deixa de fazer efeito. (Nota: ressalvo que não tenho grandes conhecimentos nesta área...).

Fernando Gouveia said...

Seria tudo tão mais simples se te tivéssemos lá, a falar em directo e para os milhões de telespectadores...

Anonymous said...

Excelente texto. Infelizmente, já não sei o que é preciso fazer mais para ganhar a campanha. O "sim" elevou o debate, apresentou bons argumentos, recusou-se a imitar a demagogia do "não". Isso não basta. Frequentes vezes, ganha quem desce mais baixo. E temo que isso aconteça desta vez.

Ainda assim, já ganhámos no domínio da honestidade intelectual. É preciso repisar os argumentos com moderação e explicar tudo outra vez.

Tiago Mendes said...

Miguel: claro que se estão indecisos é porque consideram ambos os valores como tendo certo peso. O problema é que é difícil dar "mais" peso ao prato do "aborto clandestino". A não ser que entres nas jogadas do Não e te ponhas a mostrar fotos de mulheres a sangrar, ou mortas, etc. Logo, para que a balança penda mais para o lado do Sim, o mais inteligente será "tirar" peso ao outro lado, isto é, diminuir a "dificuldade em aceitar" acabar com o que é uma vida em potência. Para isto, é necessário fazer perceber que não estamos perante uma "pessoa humana", etc. ERa esse o meu ponto.

Pedro: o teu ponto parece-me válido. Há, contudo, quem, do lado do Não, defende que assim que há fecundação, "nada deve ser parado". É a conhecida "disponibilidade procriadora" de César das Neves.

GPC said...

Indecisos (ainda não li mais nada e já comento!):
As pessoas não só estão indecisas (o assunto é delicado) como estão a ficar cada vez mais indecisas por há uma cambada de pseudo-intelectuais que insistem em diversas, ocultas e conspirativas intenções da linear pergunta.
Quero dizer: se se discutisse o sim ou o não haveria os indecisos de sempre. Mas o que mais se está a discutir é o 'verdadeiro' significado da pergunta. E, claro, as pessoas ficam de pé atrás...