Thursday 1 February 2007

Do riso e do mérito

Paulo Macedo ganha muito mais que outros directores gerais? Sim, mas tudo bem, porque tem mérito. Mas não deveriam outros directores ser pagos de igual modo? Não necessariamente, porque a cada um segundo o seu mérito. Assim pensa, com esta ou aquela gradação, um espírito liberal. Assim penso eu.

Marcelo Rebelo de Sousa é caricaturado de forma genial pelos Gato Fedorento? Sim, mas tudo bem, porque tem mérito. Será óptimo para uns, chato para outros, mas tem mérito. E não deveriam outros protagonistas ser gozados de igual modo? Sim, têm mesmo de ser, porque senão é injusto! Como é que gozam com um tipo de um lado e não do outro? Isso é injusto! A cada um independentemente do seu mérito quando falamos de riso! Sobretudo quando o primeiro bombardeamento tenha caído no nosso lado da barricada. Assim pensam alguns liberais - eu não.

Valeria a pena discursar sobre a natureza do humor, sobre o objecto do humor, sobre o que faz rir, sobre o mérito de quem se põe a jeito para ser caricaturado, sobre como o riso - bem feito, inteligente, em estado puro - nunca pode ser acantonado?

Para alguns liberais, claro que não vale a pena. Eles são liberais numas coisas, mas noutras são muito socialistas. Querem "quotas de riso". Gozaram com o Marcelo? Então, agora têm de gozar com outro, de igual modo, durante o mesmo período de tempo! Mesmo que os outros não mereçam, quer dizer, mesmo que não sejam objectos de riso exactamente equiparáveis. Eles têm de o fazer. O mérito que se lixe. O humor, para eles, antes de ser para fazer rir, tem de respeitar os dois lados da barricada. Ou seja: assim, não. Gozar com o Marcelo? Tudo bem. O tipo pôs-se a jeito. Mas agora, se fazem favor, sejam justos e gozem também, com a mesmíssima intensidade, o Louçã ou a Lídia Jorge. Até ficarmos quites. É preciso é que fiquemos quites.

São engraçadas, sem dúvidas, estas posições. E engraçadas por vermos certo tipo de liberais, ao verem-se na mó de baixo, a "pedir justiça", a "lutar por quotas", esquecendo o lugar que o "mérito" deve ter em tudo na vida. Surpreendentes, claro, só para quem não perceba a forma como alguns encaram e participam no debate político. Incoerentes? Talvez não. Talvez lhes falte perceber um bocadinho melhor a essência - e, já agora, e se concordarem, a absoluta nobreza - do acto humorístico desprendido. (Perdoem-me - e compreendam - a redundância.)

Pobre país o nosso, que nem o riso compreende.

2 comments:

AA said...

Tiago,

Eu tenho de reconhecer que a central de informação do Governo está a funcionar na perfeição, e que o "sim" tem sido discreta nas claramente beneficiado.

Penso que é errado clamar isenção aquilo que nunca deixara de ser um megafone para o poder político- o "serviço público" de informação. A única posição liberal coerente é exigir a sua extinção...

Tiago Mendes said...

António: mas repara que o que está em causa aqui não é nem "informação", nem "serviço público de informação", mas um programa de humor. Que, sim, passa num canal público. Mas isso é irrelevante para o ponto levantado quanto ao "humor" e à sua suposta necessidade de isenção via "quotas", esquecendo o mérito. Isso parece-me pouco liberal. Quanto ao ponto do serviço público [que dava outro blogue], prefiro não o misturar aqui.