Friday 9 February 2007

O último cartucho

Antes de embarcar daqui a umas horas (se a neve o permitir...), tempo ainda para uma última reflexão. O que me agradaria ouvir do lado do Sim hoje à noite, num último apelo ao voto no Sim, seja da Estufa Fria ou de outro sítio qualquer, seria algo assim:

Gostaria de deixar três breves mensagens.

Primeiro, gostaria de fazer um apelo sincero à participação de todos os eleitores e a todas as eleitoras neste referendo, seja votando Sim, Não, branco ou nulo. O voto de cada um indivíduo fortalece e legitima a nossa democracia política e é dever cívico de cada um dar o contributo possível para esse fortalecimento.

Em segundo lugar, gostaria de me dirigir aos apoiantes convictos do Sim moderado que está na mesa.

É importante que todos votem. Como há 8 anos, é previsível que o resultado final seja muito renhido. Todos os estudos indicam que existe uma menor abstenção entre aqueles que apoiam o Não. É desejável que o resultado final, consagrado nas urnas, seja um espelho tão fiel quanto possível das preferências dos portugueses. Seria uma pena se a maioria dos portugueses fosse favorável ao Sim e a maioria dos votos validamente expressos fosse favorável ao Não. É preciso votar. Ignorem-se as sondagens e deixe-se de lado qualquer sentido de vitória antecipada. Está - como diria Luís Delgado - tudo em aberto.

Finalmente, gostaria de dirigir uma palavra a todos aqueles que são favoráveis à despenalização das mulheres mas e que ainda estão indecisos quanto ao seu sentido de voto.

É positivo que quase toda a sociedade portuguesa seja, hoje em dia, favorável à despenalização das mulheres. Mas é preciso falar Verdade aos portugueses temos de ser honestos e perceber bem o que está em causa. Qualquer alteração à actual lei que regula a IVG terá de ser autorizada pelo voto directo dos portugueses. Se o Não vencer, o voto dos portugueses terá de ser respeitado. Respondendo os portugueses a uma pergunta sobre a despenalização da IVG, não é legítimo nem possível interpretar um eventual voto maioritário dos portugueses no Não como permitindo uma despenalização da IVG, seja em que moldes for. Por muito boas que sejam as intenções de alguns tipos do Não, possuídos por uma notável desonestidade intelectual, uma democracia tem regras. Foram essas regras que nos levaram a este segundo referendo. São essas mesmas regras que não permitirão despenalizar o aborto se o Não ganhar.

Há quem seja favorável à despenalização e esteja indecido em votar Sim por ser desfavorável a uma liberalização do aborto. Mas o que está em cima da mesa não é uma liberalização do aborto. Nem uma liberalização total, nem uma liberalização até às 10 semanas, como ouvimos alguns apoiantes demagogos do Não referir. Está em cima da mesa a despenalização e a regulamentação reeeeeeeeeeeeeeeeegulamentação do aborto até às 10 semanas. Se o Sim for maioritário, serão tomadas medidas legislativas que devem e seguramente irão incluir um período de reflexão e aconselhamento para a mulher, tal como acontece noutros países europeus civilizados.

Todos somos pela vida e todos consideramos que a vida intra-uterina tem de ser protegida na lei de algum modo. A diferença entre o Sim e o Não reside no facto de o Sim considerar que esse prato da balança não tem um peso infinito, o que permite abrir, de forma responsável, uma excepção: numa fase precoce da sua gravidez, a mulher que encontre justificações para interromper uma gravidez, poderá fazê-lo, antes das 10 semanas, num estabelecimento autorizado. Se o Sim ganhar, o aborto continuará a ser crime durante 75% do período de gravidez e Portugal continuará a ter a terceira lei europeia que mais protege a vida intra-uterina. É difícil considerar radical este Sim.

Todos sabemos que, independentemente do que a lei diga, serão pouquíssimas as mulheres que, perante uma gravidez indesejada, alteram a sua decisão de interromper ou não essa gravidez . Ninguém nega que a lei actual é pouco ou nada eficaz. O que acontece hoje é que algumas mulheres fazem um aborto no estrangeiro, enquanto outras o fazem em Portugal, na clandestinidade. Votar Sim é contribuir para o fim do flagelo do aborto clandestino que as mulheres sejam acompanhadas e aconselhadas antes de tomarem essa pesada decisão e também contribuir para o fim da discriminação das mulheres com base na sua condição económico-social. É muito mais provável que uma mulher decida levar a cabo uma gravidez que não foi planeada quando sobre ela não recai o peso de uma lei que a pode condenar a três anos de prisão.

Termino recordando os três pontos principais:

i) uma vitória do Não impedirá qualquer despenalização do aborto nos próximos 8 ou 10 anos, até que se possa realizar outro referendo;

ii) uma vitória do Sim permitirá ter uma lei mais equilibrada, que abre uma pequena excepção;

iii) uma vitória do Sim significará que teremos uma lei mais eficaz, que, de forma realista, percebendo que nenhuma mulher de facto leva a cabo uma gravidez não desejada, opta por acompanhá-la e aconselhá-la nessa difícil decisão.


Boa noite.

E, acrescento eu, depois da meia-noite de hoje, e apesar de toda a ansiedade, a calma e certeza de que, além da cruzinha no Sim, nada mais poderemos fazer. O futuro aos eleitores pertence.

2 comments:

Unknown said...

Ainda estou indeciso e há uma questão que não consigo equacionar: qual é a resposta do "Sim" para as mulheres que abortam após as 10 semanas? Podem ajudar-me? Obrigado.

Tiago Mendes said...

Helder: mais vale 10 semanas do que 0 semanas. Se o Helder se preocupar minimamente com as mulheres que fazem abortos na clandestinidade, concordar que mais vale ajudar algumas do que nenhumas. Quando se toma uma decisão dual - permissão ou proibição - é preciso encontrar uma fronteira. Veja estes posts:

http://logicamente-sim.blogspot.com/2007/01/falcias-do-no-1.html

http://logicamente-sim.blogspot.com/2007/01/falcias-do-no-4.html