Wednesday 7 February 2007

Prós e Contras - 2a e 3a partes

(comentários à primeira parte aqui)

A médica Ana Lourenço explica que o aborto não será "liberalizado", tal como o tratamento de um cancro por quimioterapia também não está liberalizado. E diz que enquanto o aborto for criminalizado, a mulher não poderá consultar um médido, não poderá ser ajudada nem aconselhada. Como bem escreve João Pinto e Castro, muitos do Não defendem, efectivamente, a despenalização do aborto até às 10 semanas, a pedido da mulher, mas desde que realizado num estabelecimento não autorizado. São três letrinhas apenas que nos separam. Pois.

António Pinto Leite tem uma intervenção em que defende não só a despenalização, mas, pasme-se, também a descriminalização do aborto. Repito: a descriminalização do aborto. E vota Não? Parece um pouco contraditório. De qualquer modo, não ponho em causa a sua moderação no tema. Julgo que será um caso típico (sem ironia e sem provocação) do católico inteligente e realista que percebe que uma lei ineficaz devia ser revogada, mas que, internamente, não consegue deixar de lutar de modo a que o seu quadro de valores, profundamente religioso, prevaleça no plano penal. Fala ainda da falta de apoios do Estado à maternidade. Mas falar é fácil. Seria mais honesto propôr um aumento de impostos para estes apoios. Quer dizer, é sempre fácil queixarmo-nos do Estado quando se trata de aliviar a nossa consciência, mas quando chega a factura, esquece-se tudo.

Adolfo Mesquita Nunes, ainda muito bem, mas já algo cansado, refere que o Estado não tem de tratar de tudo, aproveitando para mencionar a acutilância do cartaz do Não sobre os impostos e a aparente contradição com tanta preocupação fiscal unilateral. Daniel Oliveira lembra que se o Não ganhar, não há possibilidade de despenalizar na Assembleia. Foi por um triz que não se lídia-ajjiorgiava, ainda bem que não falou demais! Um alívio. Marta Rebelo, numa memorável intervenção, clara e estruturada, lembra que despenalizar não é liberalizar e responde à letra a várias pessoas do Não. Responde, quer dizer, dá um K.O. a todas elas. 22 valores. Quanto a Rui Pereira, como outros já escreveram por aí, é enchê-lo de beijinhos, muitos, muitos beijinhos.

Na 3a parte: levanta-se novamente a ideia de que o aborto legalizado cresce após a legalização. Mas isto é óbvio: a "transferência" do aborto clandestino para o aborto legalizado não se dá de um dia para o outro. Não tanto pela questão de infra-estruturas, mas sobretudo pelo medo, pela vergonha social. Quantas adolescentes têm "surpresas" e fazem tudo às escondidas? Claro que o aborto legalizado cresce nos primeiros anos, na medida em que há uma deslocação da clandestinidade para a legalidade que não é imediata. Mas o aborto total não cresce. O que importa frisar é que, uma vez que nenhuma mulher de facto leva a cabo uma gravidez indesejada, qualquer aborto legalizado é um aborto a menos na clandestinidade. Um que seja já é bom.

Marta Rebelo reforça a falta de consistência do Não: o facto de não haver consenso social, de os argumentos jurídicos avançados serem de uma grande "ginástica" e de a liberalização do aborto clandestino impedir qualquer aconselhamento. Depois dirige-se a Cristas, que fica à procura dum buraco para se esconder.

Parece-me que, para o Sim, a mensagem principal a retirar deste debate é a de insistir de forma clara - e até à exaustão - que uma vitória do Não levará a uma impossibilidade de tomar medidas parlamentares de despenalização. Ah, e mais beijinhos e, se possível, uma estátua para Rui Pereira. Melhor era impossível.

1 comment:

AA said...

Pareceu-me que APL estava a ser sincero, e estava francamente torturado pelo que dizia - pelas propostas tortuosas que defendia - que resultariam em mais intervenção do Estado na vida das pessoas, justamente o contrário que tem defendido publicamente face às liberdades económicas...