Tuesday 30 January 2007

Inocentes úteis

(...) E, reconheça-se, não há maneira de apresentar de maneira honesta – não necessariamente imparcial, mas, ao menos, plural, complexa, como é – a questão do aborto a uma criança de cinco anos. Não há. Estão aí envolvidos aspectos biológicos, éticos, sociais etc., etc., etc., que vão muito além da capacidade de compreensão de uma criança e que, a rigor, nem os adultos dominam com segurança. Por isso os cartazes antiaborto postos nas mãos das crianças são abusivos. Envolvem as crianças num tema que não dominam e de que deveriam ser poupadas enquanto não tivessem os elementos de que precisam para formar uma posição ou para, ao menos, terem dúvidas.

E põem asneiras nas bocas, ou nas mãos dos próprios filhos – "Sou feliz porque nasci. Obrigado, pais", foi um dos cartazes vistos nas mãos de uma criança na manifestação de domingo. Podia ser "Sou infeliz porque nasci, malditos pais" , "Sou mais ou menos porque nasci, pais", "Sou engenheiro-químico porque nasci, olá pais" ou "tenho cancro e vou morrer porque nasci, adeus pais", para não falar em "tenho fome, fui violentada, humilhada e espancada porque nasci".

Mas sem crianças não se fazem manifestações antiaborto porque o que está subjacente na exposição das crianças e dos seus cartazes é que os amigos da vida e das crianças são pelo NÃO, e os que estão pelo SIM são, necessariamente, inimigos da vida e detestam as crianças e são feios e muito maus. É para servirem de prova e de testemunho que as crianças são levadas às manifestações antiaborto, muito embora não saibam exactamente o que estão ali a provar ou a testemunhar. São inocentes. Mas são úteis.

Excerto do artigo de hoje de Mário Negreiros.

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