Friday 2 February 2007

Esther Mucznik no Público

(...) A tradição rabínica não tem uma posição dogmática em relação ao aborto: não o proíbe radicalmente, nem o permite indiscriminadamente. Acima de tudo está a vida da mulher mãe: a sua saúde física e psíquica - o que implica não só as condições que determinaram a gravidez, mas a capacidade e a vontade de gerar e acolher a nova vida. Nesta perspectiva da prioridade da vida da mãe, o aborto não é considerado crime, porque o embrião ou o feto é parte do corpo da mãe e, apesar de ser uma vida em potência, não tem ainda existência própria. Mas se há consenso total na possibilidade e mesmo obrigatoriedade de interromper a gravidez em caso de perigo de vida para a mulher, já os outros condicionalismos são alvo de controvérsia. Porquê? Porque do ponto de vista dos valores éticos judaicos, como o valor supremo da vida e da procriação, o aborto é condenável: não se trata de um simples acto cirúrgico, mas sim do drama de uma vida única e insubstituível que é interrompida no seu início, do surgimento de outro ser a partir do já existente, o aparecimento do futuro a partir do presente. Então deve-se privilegiar o quê? O futuro em potência ou a actualidade do presente, o ser que se anuncia, ou a realidade existente? Posta assim, no geral e no abstracto, esta questão não tem resposta: cada caso é um caso e o judaísmo reconhece que a análise da lei judaica não é unívoca e que a decisão última pertence à mulher e ao casal, depois de aconselhamento médico e, se for o caso, de uma autoridade rabínica, no quadro dos parâmetros éticos e legais do judaísmo. Sintetizando, os princípios gerais que presidem à questão do aborto na tradição judaica são: 1. o aborto como forma de evitar e fugir à responsabilidade de gerar e criar os filhos está em total oposição aos valores judaicos; 2. apesar de condenável, do ponto de vista ético, o aborto não é considerado crime pelo facto de o feto não ter existência própria; 3. a vida de uma mulher, a sua saúde ou o seu sofrimento são prioritários em relação ao feto, a vida existente tem prioridade em relação à vida em potência; 4. dentro do seu quadro familiar, médico e religioso, a mulher tem a liberdade pessoal de escolha e opção. (...)

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