Tuesday 30 January 2007

Falácias do Não (7)

"E se tu não tivesses nascido, como é que era? Gostavas de ter sido abortado? Como é que podes apoiar o Sim?"

Esta ideia propõe um exercício contrafactual - e, nisso, pressupõe a legitimidade de o fazer - que é inaceitável. E é inaceitável porque esse exercício é ontologicamente absurdo. Melhor: é "o" absurdo. Simplesmente, "não aplica". Uma coisa é perguntarmos a alguém, que existe, o que sentiria se, no decorrer da sua existência, tivesse escolhido, digamos, estudar Matemática em vez de Filosofia. Outra coisa, qualitativamente diferente, é perguntar a alguém, que existe, como seria se nunca tivesse chegado a existir. Não é aceitável, em termos formais e mesmo em termos substantivos, fazer este tipo de pergunta. É falacioso.

Há toda a legitimidade - e falo de legitimidade formal - em defender que um aborto é tão grave como um homícidio de uma criança saudável de 7 anos ou um bebé indefeso de 6 meses. Pode ser "chocante" para alguns fazer tal comparação, mas não há nada de lógica ou ontologicamente inaceitável nessa asserção. Já a ideia do "E se tu tivesses sido abortado?" é (ontologicamente) inaceitável (pelo que não pode ser colocada). Logo, cartão vermelho, vermelhíssimo, para quem o disser. Expulsão directa, irrevogável e inequivocamente assumida. Pedindo emprestada uma assertividade extra ao meu caro Henrique Raposo, declaro o seguinte: quem não compreender e aceitar isto que acabei de escrever, não merece estar num debate. Mas pode lá estar.

(Só que não o merece, mas pode lá estar. Mas não o merece.)

1 comment:

Miguel Madeira said...

essa pergunta já poderia fazer algum sentido com uma pequena mudança de tempos verbais, para "terias gostado de ter sido abortado?", mas mesmo assim só para abortos posteriores a algum grau de actividade cerebral que permitisse exprimentar sensações agradáveis ou desagradáveis.