Wednesday, 24 January 2007

7 x Sim

O meu artigo de hoje no Diário Económico, arquivado aqui.

O que está em causa não é, em primeira análise, saber se o aborto é “certo” ou “errado”, mas se o Estado deve punir uma mulher que aborte.

1. Marques Mendes diz que o aborto é uma questão de consciência – todavia, vota não. Como é que se pode concordar com a manutenção de uma lei que pune uma mulher que aborte, com uma pena de até 3 anos de prisão, defendendo ao mesmo tempo ser o aborto uma questão de consciência?

2. Quem acha que o Estado não tem nada que ver com este assunto só pode, em coerência, votar sim, porque só uma alteração da actual lei permite atingir isso. A abstenção, aqui, será sempre uma demissão de um dever de cidadania – como ter uma opinião forte sobre um assunto desta importância e decidir não votar?

3. O mesmo se aplica aos que “embirram” com o referendo e tencionam abster-se, por não reconhecerem autoridade ao Estado neste assunto. Ora, se o referendo é a única forma viável de fazer com que o Estado perca essa autoridade, que actualmente tem, não será esse objectivo suficientemente importante para compensar o custo de participar num referendo do qual se discorda formalmente?

A actual lei é ineficaz, com todos os
contornos da “Lei seca”: uma lei que ninguém
cumpre, que ninguém quer ver cumprida,
que faz florescer a clandestinidade.

4. Há ainda quem seja favorável à despenalização do aborto e, contudo, tencione abster-se ou votar não por ser contra o subsídio ao aborto. Recordo que o que vai a votos no dia 11/2 tem que ver com a atribuição de um direito negativo (“de” não haver penalização) e não de um direito positivo (“a” uma comparticipação). O primeiro tem precedência sobre o segundo: não só formalmente (o segundo não pode ser equacionado sem o primeiro), mas sobretudo substantivamente – não podemos pôr no mesmo plano uma sanção penal e uma questão de impostos. Acresce lembrar que o direito negativo só pode ser alterado por referendo, enquanto que um direito positivo pode ser revisto por qualquer governo. Como compreender, neste caso, a falta de convicção em votar sim, dando margem a que a actual lei se venha a manter por outra dezena de anos?

5. É possível condenar eticamente o aborto e votar sim sem qualquer contradição (ex. Laborinho Lúcio): o que está em causa não é, em primeira análise, saber se o aborto é “certo” ou “errado”, mas se o Estado deve punir uma mulher que aborte.

6. Quem defende, simultaneamente, a criminalização e a despenalização do aborto não é apenas paternalista – aceitando sermões do Estado sobre o assunto –, como se torna patrocinador do aborto clandestino, ao pugnar pela ilegalidade do aborto, fazendo com que, na prática, tudo se resuma a uma questão económica: quem pode, aborta lá fora; quem não pode, comete o crime na pátria. E consegue Marcelo dormir as suas 5 horas defendendo esta posição?

7. A actual lei é ineficaz, com todos os contornos da “Lei seca”: uma lei que ninguém cumpre, que ninguém quer ver cumprida, que faz florescer a clandestinidade, dando azo às desigualdades e aos abusos que conhecemos. É aceitável um estado de direito manter uma lei que ninguém cumpre e que ninguém quer ver aplicada?

4 comments:

Pedro Morgado said...

Parabéns. Um excelente artigo.

Vera said...

"quem pode, aborta lá fora; quem não pode, comete o crime na pátria."

De que serve a legalização se se tiver que pagar e não houver dinheiro? Abortam clandestinamente na mesma porque lhes sai mais barato.

Se a lei tivesse apenas em vista a DESPENALIZAÇÃO da interrupção voluntária de IVG era o menos... Isso é o que diz a pergunta do referendo. O grande problema, o que revolta, é que o referendo não mostra explicitamente os objectivos da lei.
O Estado pretende não só despenalizar como também legalizar, subsidiar e PRESTAR esse serviço, eliminando qualquer poder paternal.

PAra mais, a lei a ser aprovada legaliza o aborto até Às 10 semanas. Quando as mulheres que abortaram às 11 ou 12 semanas começarem a ir a tribunal quero ver qual será a solução.

PAra finalizar, julgo que o Estado não se está a meter em nada ao proibir a prática da IVG. Está sim a zelar pelo direito à vida, previsto na Constituição, tão simples quanto isso. Se o aborto não mexesse com a vida de outrém, a mulher deveria poder fazer o que bem entendesse. Mas não é o caso...

Duarte Meira said...

Até às 10 semanas?

A Vera não terá lido (e o autor deste blogue parece-me que também não) o projecto de lei 19/X/1 do PS, aprovado em Abril de 2005, e que está suspenso do referendo: ele também fala em 16 SEMANAS “por razões de natureza económica ou social” (sic). Ora, como estas “razões” também não excluem “pedidos” e “opções” da mulher, a legalização irá de facto na prática até às 16, quando aos votantes se fala e se apresentam apenas 10. Esta repugnante trapaça muito dificilmente ou impossivelmente poderá ser corrigida se os resultados forem vinculativos.

Duarte Meira said...

Resp. ad 5: “O que está em causa…” Mas as leis não punem o que ou porque precisamente se considera “errado”? Não toleram ou promovem o que se considera “certo”? Era bom que clarificasse de uma vez por todas: é moralmente errado ou não é? Se é, talvez a lógica mente do sr. Tiago nos conseguisse explicar o que o srs. Rebelo de Sousa (que vota não) e Laborinho (que vota sim…) ainda não conseguiram: por que é que não deve ser punível o aborto por mera “opção”?
Se não é, nem por isso o Estado “perde uma autoridade” que continuaria a ter após as ditas 10 semanas (ad 3).

Ad 7: “Se a lei não é cumprida, então a lei é má. A lei não é cumprida. Logo…”
Tão lógico como inconvincente e irrealista. Como tantas outras leis – boas – que não são aplicadas, a causa não está na lei mas na hipocrisia, incompetência e cobardia dos políticos que a não aplicam.